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Ayahuasca com um xamã na Amazônia equatoriana

O dia em que tomei chá ayahuasca com um xamã na Amazônia…

Henrique é alto, forte, tem cabelos longos na parte de trás e curtos na frente. Mullets.

Os traços indígenas são inegáveis e ele sorri fácil. Henrique também é pontual e me encontrou assim que o grupo de turistas com o qual passei o dia em Puyo, na Amazônia equatoriana, foi embora e eu era o único estrangeiro ali a tomar o chá ayahuasca.

Ritual ayahuasca

ayahuasca

Cascata Hola Vida

cha ayahuasca

Cascata Hola Vida

onde tomar ayahuasca na amazônia

Mirador da cordilheira oriental da Amazônia

No caminho até sua comunidade, a 15 minutos de onde meu grupo me deixou, conversamos sobre o peso do meu mochilão (15 kg), as diferenças entre a Amazônia brasileira e equatoriana, entre o cacau silvestre e o cacau para chocolate.

“Você vai beber a ayahuasca hoje?”, ele enfim perguntou, quando entrávamos na comunidade. “Eu almocei…”.

Não queria dizer “não”, mas era não: para fazer o ritual da ayahuasca com os índios quechua existem poucas regras, mas elas são rígidas.

A cerimônia acontece no começo da noite e quem recebe a bebida, uma infusão feita com o cipó Banisteriopsis caapi e folhas, cozidos por hora, tem que estar em jejum desde a manhã.

Já vi muitas traduções para significado do termo quechua ayahuasca. Segundo Henrique, eu iria tomar a liana del diablo, o cipó do diabo.

* * *

Aqui e ali, em Baños, agências oferecem a Shaman Tour, que pode-se ler ritual do ayahuasca.

Para fazer, é preciso dormir ao menos um dia em Puyo, ou seja, dois dias de tour, a US$ 40 cada dia.

O ritual é pago separado, direto na comunidade indígena, que tem como um dos pilares econômicos o ecoturismo, e custa em torno de US$ 25.

Estou viajando sozinho, e isso dificulta bastante fazer programas por agência: ou você entra em um grupo ou paga muito mais caro.

A agência Llanganates Expediciones resolveu meu problema: eu faria o tour de um dia por Puyo com um grupo e no final do dia me encontraria com o filho do xamã, que me levaria sozinho a sua comunidade. Lá eu conheceria o ayahuasca.

“Pede dois dedos a mais”, sugeriu o responsável da agência Llanganates. “Tem turista que não sente nada.”

Tô com medo.

* * *

Enquanto Cecilia preparava peixe assado enrolado em folhas, arroz e bananas verdes cozidas para o jantar, seu marido Henrique veio conversar comigo.

e fica uma delícia com arroz

peixe guasca

vai ao forno a lenha

O peixe recém-pescado é enrolado em folhas

aioaska ritual

Na cozinha da comunidade

Contou que seu pai, o xamã, estava chegando nos Estados Unidos para visitar os filhos que viviam lá, por isso ele fazia tantas ligações no celular (sim, há rede celular): eles estavam preocupados com o velho.

Também explicou porque ele podia fazer a cerimônia com a medicina –como ele vez ou outra se referia à bebida.

O pai tinha distruibuído a energia dos três animais mais poderosos da selva, a serpente, a onça e o jaguar, e da Pacha Mama, a mãe terra, para três dos seus filhos, que, então, ganharam poder do xamã para fazer a cerimônia ritual do ayahuasca.

O índio quechua disse que eu deveria ficar tranquilo: eu estaria concentrado e energia para tomar o chá graças a preparação ao longo do dia.

Eu só comeria no café da manhã e sairíamos para visitar cascata escondida, uma cachoeira de acesso mais difícil para turistas, para me purificar, lavar a alma, tirar a zica.

“Na cascata que você foi hoje, tem muito xixi de turista, não tá tão pura”, brincou o índio.

Conversamos um pouco mais, ensinei algumas palavras em português para a família, eles me contaram sobre a diferença entre o quechua da costa, da serra e da Amazônia e também sobre as outras etnias indígenas do Equador.

Henrique é muito piadista e fiquei mais à vontade depois de jantar com a família.

O medo começava a virar ansiedade.

Chá ayahuasca

* * *

A primeira vez que ouvi falar da bebida alucinógena e chá ayahuasca foi no universo da igreja descolete do Santo Daime.

A mistura do discurso messiânico dos daimistas, os rituais religiosos que duram horas e os hinos que (desculpem) me fazem ter vontade de rir nunca me atraíram.

Mas quando descobri que o ayahuasca ainda era uma bebida poderosa entre os índios da Amazônia, a coisa me pegou.

Conforme fui conhecendo gente no mochilão pela América do Sul que tinha passado pela experiência, a vontade de conhecer a bebida sagrada cresceu.

No lugar da discurseira religiosa e de guias tentando controlar sua viagem, como aparentemente é no Santo Daime, com o ayahuasca indígena as pessoas, depois da cerimônia, ficam sozinhas. Não há uma relação institucional com a bebida alucinógena.

“Cada um quer uma coisa, cada um bebe por um motivo, tem gente que dorme, tem gente que dorme e sonha, tem gente que alucina, tem que gente que não sente nada”, disse Henrique. “E eu vou sempre estar de olho em você, fica tranquilo, estou aqui para isso, sou seu guia.”

* * *

Na trilha para a cascata escondida em Puyo

Na trilha para a cascata escondida em Puyo

Acordei cedo e comi ovo mexido, banana mexida, pão e chá. Deveria ter comido toda minha parte do pão, mas a ansiedade era tão grande que eu desencanei. Depois, que passasse fome, eu queria conhecer logo a cascata escondida.

Fomos eu, Henrique e José, um jovem índio shuar que também vive na comunidade Inchi Churis, “os filhos do sol” em quechua, uma comunidade de 18 famílias na beira do rio Puyo.

Quando alguma coisa recebe o epípeto de escondida na Amazônia, acredite, chegar não vai ser fácil.

E não fizemos a trilha mais curta: foram subidas, descidas e escorregões no chão lamacento daquela área da floresta, trechos em que andávamos com água até o joelho ou que a bota quase entrava inteira na lama disfarçada de chão duro.

No caminho, vimos um grupo de micos, algumas borboletas azuis gigantes, pegadas de javali.

Mas nada me importava muito, a trilha era muito difícil para pensar, toda a reflexão era para saber se valia a pena apoiar em um galho ou era mais uma armadilha semi-podre da Amazônia.

Entre troncos e barrancos, chegamos a uma queda de água de dois, talvez três metros de altura, tão impressionante quanto uma mangueira doméstica ligada a uma torneira forte. “Essa é a cascata escondida”, disse Henrique.

Chegamos?

Chegamos? A câmera GoPro não se vira bem na mata fechada da Amazônia: falta luz

* * *

Eu estava sozinho em uma cabana sem energia elétrica, mas quando o ayahuasca começou a fazer efeito alucinõgeno, sabia que tinha mais sete seres no quarto, entre entidades boas e malvados. Mandei todo mundo tomar no cu sem distinção: podem ficar aí que eu nunca vi tantas cores. E tudo brilhava.

* * *

Henrique é mesmo piadista e esperou minha cara de decepção para dizer que ainda faltavam 50 metros para cascata escondida.

Aquela cascatinha marcava o ponto onde deveríamos deixar as coisas que não podiam molhar. Para chegar na cachoeira escondida, é necessário atravessar um corredor de pedras que forma um canal de uns 10 metros de comprimento, o que deixou tudo mais legal. A água é geladíssima.

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O tanque da cascata escondida é bem redondo, como um barril de paredes de pedra. Deve ter uns 10 metros de raio.

Bem atrás da queda d´água existe um buraco onde cabe uma pessoa sentada. Eu deveria ficar ali por uns minutos, pedindo que a cascata me purificasse para receber o ayahuasca mais tarde.

* * *

Voltamos à comunidade Inchi Churis por um caminho mais curto. E demos sorte de pegar carona com um táxi-caminhonete. Às 14h30, já estava na minha cabana e só restava esperar até às 19h, quando o ritual do ayahuasca começaria.

Eu precisava descansar, mas era impossível, estava bem ansioso. Tomei uma vasilha de chicha de chongo, a bebida indígena feita com a água dos coquinhos chongo cozidos. Não é boa, mas a ansiedade se misturava com a fome do jejum e da caminhada e serviu. Tentei dormir, mas só chacoalhei na cama.

cabana amazônia

Minha cama…

aioaska ritual

Meu quarto…

* * *

Eu não conseguia dormir. Apesar das alucinações intensas já terem parado, minha cabeça não parava. Acho que pensei em todas as pessoas que conheci.

Também lembrei de tudo de mau que já fiz. Mas estava em paz. Só não queria fazer de novo. Não dá para mudar.

Mesmo sem as alucinações pesadas, os pensamentos são bem confusos. O passado, o presente e o futuro se misturam, mas se eu acendesse a lanterninha que prendi ao meu pulso, eu voltava à realidade.

Já estava enjoado daquilo. Enojado. Meu corpo estava moído, minha cabeça estava acelerada e toda vez que eu quase pegava no sono, tomava um susto.

Na Amazônia, sozinho em uma cabana a 10 metros do rio, qualquer barulhinho é o barulho, e o resto da viagem do ayahuasca com o começo do sono me pregavam altos sustos.

Cada vez que eu pulava da cama, meu coração voltava mais disparado.

Torcia para vomitar, queria o chá alucinógeno fora do meu corpo.

* * *

O ritual ayahuasca acontece nessa cabana

O ritual ayahuasca acontece nessa cabana

As 6h40, segui Henrique até a cabana no xamã. Ele pediu que eu deitasse na rede enquanto terminava os últimos preparativos para o ritual do ayahuasca. A cerimônia começaria às 7h em ponto.

O xamã vestiu um cocar feito de ossos e tirou a camisa. Pediu que sentasse em um banquinho e que também tirasse a camisa. Mostrou uma pedra de poder.

Colocou uma cumbuca nos meus pés,com muito palo santo em brasas, e a cabana se encheu de fumaça com o cheiro da árvore queimando.

* *  *

Deitei sozinho na minha cabana para esperar o chá ayahuasca bater. Depois de cinco minutos, quase explodindo de ansiedade, fumei um cigarro na porta.

Voltei a deitar, e mais cinco minutos e nada, só um estranho medo de ficar sozinho.

Sentei na escadinha de acesso ao meu quarto e fiquei olhando a comunidade.

Logo me veio à cabeça o cenário de O Mágico de Oz, quando Dorothy chega na cidade mágica: são plantas artificiais, plantas alucinógenas, esquisitíssimas.

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Algo dizia que eu tinha que ir para cama, era ali que eu ia ter a experiência do chá ayahuasca.

Mas eu estava na Amazônia, o que tinha de artificial ali? Era o efeito do chá ayahuasca.

Fiquei de pé e quase caí, o desequilíbrio era muito grande.

Perdi a noção de proporção, do meu tamanho no mundo.

Meus olhos pediram para fechar, e quando fechei, uma explosão de cores muito, muito intensa.

E uma voz, algo dizia que eu tinha que ir para cama e fechar os olhos, era ali que eu ia ter a experiência do ayahuasca.

* * *

De olho fechado, as visões são bem assim como nesta imagem que roubei no Google

De olho fechado, as visões são bem assim como nesta imagem que roubei no Google

O ritual do xamã muito com o tato, a audição, a visão, o olfato.

A fumaça do palo santo toma conta da cabana. Com folhas, Henrique me abanava, tocando meu corpo.

O índio colocava uma bebida com cheiro forte na boca e aspergia em mim, nas costas, no rosto.

Ali ele não falava espanhol, apenas quechua. Só entendi pacha mama e ayahuasca.

Depois de receber muitos perdigotos, muita fumaça, ter uma pedra de poder espalhada no meu corpo, a primeira dose da medicina.

O ayahuasca vem uma cumbuca pequena, como duas mãos em concha: é amargo, denso, escuro.

Mais um pouco de ritual e recebo outra dose da bebida alucinógena.

O xamã se ajoelha na minha frente e fala coisas genéricas sobre meu estado de espírito.

Pronto, agora é só esperar as alucinações.

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